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SEMINTENDES

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SEMINTENDES

24
Jan06

Agora e depois

lamire
PODIA TER MANDADO ESTE TEXTO PARA A NOSSA PÁGINA, ANTES DAS ELEIÇÕES. MAS NÃO O FIZ POIS ALGUNS PODERIAM ACHAR UM ABUSO. AGORA QUE as eleições JÁ PASSARAM, NÃO HESITO EM PARTILHÁ-LO CONVOSCO. Estão aqui bem claras as minhas razões para apoiar este candidato.
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Agora e depois
Intervenção no jantar de encerramento da campanha eleitoral para a Presidência da República
Lisboa, 20 de Janeiro de 2006, FEITA PELO MANDATÁRIO NACIONAL , José Manuel Pureza.
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Meu caro Francisco Louçã,
Agora começa o tempo da espera, um tempo estranho e pesado, em que tudo fica irritantemente em suspenso. Mas é precisamente agora que faz sentido dizer-te o que te quero dizer.
Fizeste uma grande campanha eleitoral.
Sabias, sabíamos, que as condições desta batalha política eram muito difíceis. Que a descrença de sucessivas crenças atraiçoadas é enorme e funda. Que a mágoa se mistura cada vez mais com abatimento e que o convite à desistência é muito sedutor. Sabias, sabíamos, dos ventos adversos.
A tua resposta foi uma campanha que fica a marcar a qualidade da política em Portugal.
Na minha primeira intervenção como teu mandatário, disse convictamente que o teu desempenho cívico tem sido um contributo de primeira grandeza para a renovação da política como materialização dos impossíveis, numa democracia normalizada que estagnou no mandamento realista de não sonhar. Agora é o momento certo para te dizer que o percurso desta campanha só aprofundou essa minha convicção.
Chamaste democracia responsável à combinação virtuosa do sonho com o rigor. E em cada intervenção, em cada debate, em cada conversa com as pessoas, assinalaste os caminhos apetecíveis desse dueto: sonho e rigor. Soubeste sempre ser totalmente fiel à mais nobre das convicções da Esquerda – a de que é pelo sonho que vamos – mas insististe (mesmo quando era tentador o encantamento das vozes da preguiça) em que esse sonho, essa coisa que é linda, se faz da verdade toda, traduzida em números e relatórios e sobretudo em propostas para concretizar agora. “Meia verdade – escreveu Sophia – é como habitar meio quarto, ganhar meio salário, como só ter direito a metade da vida”.
Disseram da tua – da nossa – campanha que ela era temática, centrada nos problemas concretos. Alguns sugeriram mesmo que eram questões de governo e não da presidência. Eu acho que foi outra coisa. Foi uma batalha incessante pela verdade toda.
Foi aí que derrotaste clamorosamente Cavaco Silva. Não é difícil bater um homem sem sonhos nem utopias. Difícil, cada vez mais difícil, é desmontar o mito da cientificidade e da tecnicidade da utopia negativa da Direita. Num tempo em que tantos, à Esquerda, capitulam diante dessas dificuldades, era fundamental um discurso que mostrasse que o rigor não é monopólio de quem o casa com injustiça. E que ser rigoroso não é o mesmo que ser realista, sobretudo quando isso significa resignar-se ao que está. Esse foi o teu discurso, o discurso da verdade toda, da insatisfação permanente, com raízes naquilo a que o poeta chamou o “antigo desejo de nunca ser feliz” (Raul de Carvalho).
Em muitos lados, esta nova exigência causou desconforto. Sempre que a exigência sobe, os preguiçosos estrebucham. Foi por isso, e só por isso, que te vieram chamar de moralista. Eles não se dão conta de que, assim, confessam a sua lassidão diante da imoralidade estrutural que é o país. Eles não percebem que, ao chamar-te “Cavaco às avessas”, estão afinal a fazer-te o melhor e mais justo dos elogios políticos.
Meu caro Francisco, com muito orgulho, quero dizer-te que, contra a indiferença e a lassidão, eu também sou um moralista. Quero dizer-te que, contra a sobranceria e a preguiça, todos e todas aqui somos Cavacos-às-avessas. E não há volta a dar-lhe: não sabemos ser de outra maneira.
Sentimo-nos bem, muito bem, com um candidato assim. Para quem a revolta das mulheres despedidas da Ecco rima com a ternura ácida de uma balada de Tom Waits. Para quem o abraço sentido do antigo tipógrafo do República se cruza com a emoção diante dos “Sapatos de um Camponês”, de Van Gogh. Para quem a memória de Maria de Lourdes Pintasilgo se prolonga em fragmentos de Chet Baker, de Italo Calvino, de Karl Marx ou de Visconti. Para quem a indignação incontida diante de todos os mortos de todas as Fallujahs do mundo e o princípio da transgressão de “A formiga no carreiro” se combinam no mesmo código genético. Gostamos de acreditar que podemos ter um presidente assim em Portugal.
Meu caro Francisco Louçã, a tua campanha foi um contributo inestimável para a urgente densificação de uma Esquerda insubmissa, combativa, fiel à memória e antecipadora do futuro. Orgulhamo-nos disso. Mas, mais que tudo, orgulhamo-nos de ter a absoluta certeza de que não faltarás a nenhum dos combates decisivos que virão. No dia seguinte às eleições aí estaremos a travar a vertigem da guerra (no Irão, na Síria, na Coreia ou onde for) e sabemos que tu estarás lá, na primeira linha. No dia seguinte às eleições aí estaremos a denunciar uma Europa de pequenez e injustiça e sabemos que te encontraremos entre os mais lúcidos e arrojados. No dia seguinte às eleições aí estaremos a pôr Kyoto no mapa das prioridades colectivas e a mostrar que este modelo de desenvolvimento é suicida e sabemos que podemos contar contigo para essa luta essencial. No dia seguinte às eleições aí estaremos a não dar tréguas às humilhações, à discriminação e à violência contra os mais fracos na sociedade portuguesa e sabemos que não faltarás. No dia seguinte às eleições aí estaremos a lutar por todas as emancipações e sabemos perfeitamente onde estarás.
Meu caro Francisco, foi um grande privilégio estar contigo neste combate. E é grande o entusiasmo para os que hão-de vir.
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enviado por:Zé Vieira (23-01-2006 - 06:48:17 PM)

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