Igualdade de Género
Abílio Duarte Simões
in:Correio de Coimbra
18maio2006
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"Então não fala do tal reclame? Esse, verdadeiramente, é discriminatório e não devia ser descriminado".
Quem falava, lembrando o artigo da semana passada, sentia o vilipêndio. Referia-se a sugestivos anúncios publicitários que têm passado nas televisões e também se ouvem na rádio.
Um é o do cavalheiro que devolve a mulher, após três dias de casamento. Outro o do cão que "roubou o lugar na cama e dormiu com a minha (do homem do anúncio, já se vê...) mulher". E até o arrastou pelo quintal.
E se o carro é fiável, dá garantias, pode ser experimentado, pêlos vistos a mulher é deitada fora por nada disso oferecer. E se o cão é truculento, marialva, retintamente lusitano, a mulher é dócil, obediente, manipulada, duma passividade atroz, e não protesta... por não ter sido devidamente experimentada em tempo oportuno.
Claro está que quem defende "o direito à blasfémia" não vai reparar, muito menos surpreender-se, muito menos ainda escandalizar-se perante tal ignomínia... masculina, feita a mais de metade da humanidade. Mas que importa tal indignidade?
Quando, um dia destes, (re)corneçar a campanha pró-aborto, necessariamente escudada na comiseração de (naturalmente) todos concordarem que as mulheres não devem ser incriminadas por tal procedimento, quando essa campanha for, brevemente, retomada, não faltarão apelos ao respeito pela dignidade, abundarão desagravos por faltas de consideração, superabundarão certezas escandalizadas por atentados invisíveis...
Antes disso a dignidade é, porém, posta ao nível de cão e dele recebe tratos de polé?
Quem reage? Nem feministas, nem bloquistas, nem nenhum outro nem nenhuma outra ista qualquer? Será que o carro (e outros miseráveis dividendos capitalistas) tudo cilindra, tudo justifica, tudo ultrapassa? Estarão os animais de estimação sobrestimados para diminuir (ou anular) a dignidade que tanto se garante reclamar?
Alinhadas que estavam estas considerações deparei com uma entrevista de Anna Záborská, presidente da Comissão Europeia dos Direitos da Mulher e da Igualdade dos Géneros, à revista Xis e do que disse transcrevo: "O maior problema que as mulheres têm de enfrentar é o facto de os direitos humanos não serem respeitados na parte que lhes toca, enquanto seres humanos". Claro que não consta o direito a ser equiparada a um carro... ou a um cão.
Valha uma novidade. "A problemática da igualdade deve estar presente ao nível do nosso sistema de ensino", defendeu Jorge Lacão, secretário de Estado para a Presidência do Conselho de Ministros, garantindo que "a igualdade de género passará a ser também acautelada na avaliação dos manuais escolares".
Já agora que não seja para alguns aprenderem a conduzir automóveis...