Quem disser que não vivemos no melhor dos reinos não está, notoriamente, a bater asas no reino dos patolas. Se não, vejamos. Por toda a Europa, e não só, vai mais que um simples falatório por causa da gripe das aves e do que ela poderá ocasionar, além dos sustos e dos prejuízos que vão surgindo. Pássaro morto é sinal de que tudo pode acontecer.
Felizmente não é assim em Portugal. Ali para os lados da Murtosa, em vez de um eram mais de dez. Não uns pardalitos mas uns gansos-patolas. Com estonteante rapidez, inaudita proficiência e surpreendente eficácia se fizeram as análises. E, felizmente, está tudo bem, menos os patolas que, coitados, morreram de morte natural, talvez até devido às marés (ouvi dizer na rádio) pois os tristes saberão voar mas nadar é que não.
E o nosso "ministro da Agricultura pediu aos autarcas e demais autoridades locais alguma contenção na divulgação de notícias sobre o assunto" Souselas (e, já agora, Maceira) sofrem de problemas respiratórios agravados, bem mais graves do que noutras localidades? Pois atira-se-lhes com a co-incineração.
Ninguém manda a essas terras não saber aproveitar o ar que respiram. Está, aliás, cientificamente provado que as cimenteiras são quem mais ordena, entenda-se, para elas o negócio não é pó.
A dr.a Elisa Ferreira, defendendo o seu antigo secretário de Estado, entretanto alcandorado a primeiro-ministro, atacou personalidades tão diferentes como Boaventura Sousa Santos, Carlos Pimenta e... Manuel Alegre. Só não disse por que razão este último foi parlamentarmente desterrado para Lisboa... onde podiam muito bem usufruir dos benefícios da dita co-incineração.
Quem o disse (escreveu, melhor dizendo) foi Vital Moreira, sugerindo que alto exemplo de clarividência seria queimar em Alhandra (e sem perigo nenhum para a região envolvente, Lisboa incluída) os resíduos que... até são produzidos nessa mesma (boa) zona. "Estes senhores (os cientistas) deixaram o Governo mal colocado, por culpa própria, pois apenas fizeram o que Sócrates lhes encomendou".
Que dirão a estas palavras de José Manuel Fernandes, no editorial de 4 de Março, no editorial do "Público", os incineradores de pulmões doentes e sadios e da paciência de muitos cidadãos?
E para mudarmos de azimute (que o tema anterior ainda há-de fazer correr muito pó... e polémica, até cabal esclarecimento e pacificação), repare-se neste mimo democrático. Garantindo que a sua (dele!) escolha foi a mais adequada, e comentando os resultados das últimas presidenciais, José Sócrates afirmou ao "Expresso": "O critério eleitoral não é um critério de razão. É apenas isso: eleitoral". Andava a gente a pensar que o povo tinha razão, que a razão é indispensável para decidir, que sem razão não adianta procurar razões e, sem razão, aparece-nos esta! Claro que deve ter sido a primeira vez que tal aconteceu... Com razão.
Estava anunciado, garantido, justificado o "cartão único". Dizem que, por culpa das iniciais, passou a ser "cartão do cidadão" (CC). "Corre, cidadão... Mas para onde se não vejo razão?"
"Em pleno Carnaval a homilia do cardeal patriarca de Lisboa avisou: Com o sagrado não se brinca" (mesmo "Público"). Descontada a circunstância de em quarta-feira de cinzas já ter terminado o Carnaval (de alguns, pêlos vistos), repara-se que toda a gente pode dizer (e desenhar) o que entender... se for descrente, laico, céptico. Os outros, coitados, têm de... ler, ver, ouvir e calar.
"É preciso topete", disse (parece-me que sem resposta) Freitas do Amaral. Mesmo que também seja necessário o dito para não condenar o incêndio de embaixadas, não deixa de se reparar na expressividade.
Vivam os patolas.
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Abílio Duarte Simões
In: Correio de Coimbra,
9-mar-06