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Dez05
Cultivar e guardar o jardim
lamire
José Dias da Silva
Apesar dos acontecimentos dramáticos que têm vindo a acontecer, parece que ainda não interiorizámos quê os nossos pequenos gestos estão a ter um efeito devastador no equilíbrio atmosférica.
Os governantes e as instituições internacionais reuniram-se, em 1992, no Rio de Janeiro, na chamada "Cimeira da Terra" com o objectivo de limitar a contribuição humana para o aquecimento global do planeta.
Depois de várias tentativas, acordaram, em í 997, o "Protocolo de Quioto"que, embora tenha estabelecido metas para a redução dos gases com efeito de estufa a alcançar até 2012, não conseguiu definir o modo como tal se iria processar.
Devido à recusa de vários países, entre os quais os Estados Unidos, o maior poluidor, com cerca de 25% do total, este protocolo só pode entrar em vigor no passado mês de Fevereiro, depois de ratificado por 156 países, responsáveis por 61,6% das emissões desses gases.
No passado dia 28 de Novembro inaugurou-se mais um encontro, em Montreal (Canadá), com dois grandes objectivos: o que fazer depois de 2012, ano em que terminam os objectivos do protocolo de Quioto, e como fazer cumprir o que já está estabelecido, nomeadamente o modo como os países mais poluidores podem comprar quotas dê poluição aos países menos poluidores.
Recordar estes factos serve para dar conta do que está a ser feito a nível oficial para solucionar este problema dramático. Mas não bastam reuniões de alto nível com representantes de todo o mundo.
O importante é as medidas que os governos estão ou venham a implementar. Por exemplo, não se percebe a demora dos nossos governantes em estimular a produção e o uso das energias renováveis, tais como a eólica, a solar ou, a bioenergética. Contudo, a solução do problema não passa apenas por decisões governamentais. Ela depende muito do nosso estilo de vida, do estilo de vida de cada um de nós.
O último inventário nacional de emissões de gases com efeito de estufa, referente a 2003, veio mostrar uma situação quase catastrófica entre nós.
Por um lado, as nossas emissões cresceram 38,5% desde 1990 (ano escolhido como referência para estabelecer as metas de Quioto), isto é, já ultrapassámos em muito os 27% que nos foram atribuídos para 2012 (o que nos irá acontecer nos Seis anos que ainda faltam?).
Por outro, os principais responsáveis por este disparo são os transportes e os edifícios: a quantidade de gases que saem dos escapes dos carros portugueses aumentou 95% desde 1990 e o crescente consumo de energia nos edifícios, sejam particulares ou públicos, aumentou 100%.
E a componente dos transportes só não é maior porque houve uma baixa na venda de automóveis: de 1125 carros por dia em 2000, passaram a vender-se apenas 737 em 2004. Estes números têm a ver, e muito, como nosso comportamento individual: o modo como usamos o nosso carro ou como controlamos os gastos dos nossos electrodomésticos e aparelhos de ar condicionado.
A continuar este comportamento irresponsável é urgente que o governo tome medidas duras e desencorajadoras.
De qualquer modo, mesmo as multas pesadas só poderão ajudar a tomar consciência de que temos de mudar de vida. Mas tal mudança não pode ser apenas motivada pela "dolorosa conta" que nos venha a ser aplicada.
Tem de resultar de uma mentalidade nova de encarar a natureza e os outros.
Há quase 20 anos, que João Paulo II insistia em três aspectos a ter em conta no respeito pela natureza: a necessidade de uma "ainda maior consciência" de que não podemos fazer impunemente uso indiscriminado das diversas categorias de seres, vivos ou inanimados - animais, plantas e elementos naturais - em função das exigências económicas, a recusa de um tipo de desenvolvimento que conduz, directa ou indirectamente à "crescente contaminação do ambiente com graves consequências para a saúde da população" e a certeza da limitação dos recursos naturais, alguns dos quais não são renováveis, pois "usá-los como se fossem inexauríveis põe em perigo seriamente a sua disponibilidade não só para a geração presente, mas sobretudo para as gerações futuras" (SRS34).
Não temos, pois, o direito de conspurcar de tal modo o mundo que os nossos descendentes não possam viver nele com qualidade. Mais, temos a obrigação de lhes deixar o mundo habitável e onde seja agradável viver.
A humanidade só se desenvolveu graças a esta cadeia de solidariedade generacional que une o passado, o presente e o futuro e só pode sobreviver se cada geração for fiel a este dever irrenunciável de tornar o mundo cada vez mais à medida da pessoa.
Acresce para as cristãos que esta é uma forma nova e muito mais exigente de amar o próximo.
É que se já temos tanta dificuldade em amar o próximo que vemos, quanto mais difícil não será amar o próximo que não vemos, não porque esteja longe (no espaço) mas porque ainda nem sequer existe (no tempo).
E amar o que não existe exige uma grande dose de sabedoria, de solidariedade e de amor.
José Dias da Silva, in: Correio de Coimbra, pág.01, 8dez2005