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SEMINTENDES

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SEMINTENDES

21
Out06

MAROTEIRAS DE QUANDO OS SEMIS ERAM SANTINHOS

lamire
«Esta história está contada,
Contei-a inteiramente.
E quem ma contou a mim
Ainda tem a boca quente.»
 
(Os Mais Belos Contos de Grimm)
 
Casualmente, tomei conhecimento desta bela história daqueles tempos em que os semis tinham de libertar as suas tensões de uma vida tão demasiadamente séria e pesada, como as grossas paredes e escura luminosidade daquela casa, em que estávamos mais ou menos enclausurados.
Não havia santo de pau carunchoso que não tivesse, por vezes, de libertar uma explosão de escape psicológico para afirmar o seu “cogito, ergo sum” cartesiano, quer dizer, tenho de provar que, apesar de tudo, realmente existo.
Seguirei os parâmetros acima enunciados pelos irmãos Grimm e direi que o evento é anterior a minha passagem pela pombalina casa, com outros estilos à mistura. Situar-se-á pelos anos 55 do século passado.
Ora, tinha então o “Nosso Palácio Dourado de Aventuras” uma ala, na parte traseira das primeira e segunda prefeituras, que servia de Paço Episcopal, após a Implantação da República ter espoliado a Diocese do seu ancestral Paço Episcopal, que era onde hoje se situa o Museu Machado de Castro. Após muita luta e contenda e mais assossegados os conturbados tempos da Implantação, o Estado, pretendendo compensar a referida espoliação, mandou construir um Paço Episcopal que, por questão de princípio, o Bispo de Coimbra não aceitou, indo residir para o Seminário. O dito edifício funcionou, e não sei se ainda hoje funciona, como a Maternidade que fica em frente ao Jardim-de-Infância situado junto à Nossa Casa.
Mas voltemos à nossa história. Um Paço é um Paço e deve apresentar a dignidade interior e exterior condizente com a personalidade que o ocupa.
Assim, todos nos lembramos desse longo corredor, com a entrada das portas recoberta por belos reposteiros, e com divisões interiores luxuosas, expressamente preparadas para receber Sua Majestade a Rainha D. Maria II – creio – que, de visita a Cidade dos Estudantes, aqui assentou arrais por alguns dias. Era, pois, este um espaço senhorial. No corredor, havia ainda belos jarrões e vasos de alindamento os mais variados.
Ora um dia, há sempre um dia, o que havia de dar na telha à malta?
Olhou bem o acessório mobiliário do dito corredor e descobriu que havia lá um vaso que, tal intruso no banquete do Evangelho, não estava vestido com as vestes próprias para tão digno e excelso espaço. Enfim, aplicando as teorias que talvez tivessem aprendido em História da Arte, viu-se que o vaso era vulgar de mais, não tinha categoria para o espaço que ocupava. E aqui vai disto! O conciliábulo decidiu “lançá-lo nas trevas exteriores onde há choro e ranger de dentes!” E pumba! Aí vai ele do seu alto espaço, através do circulante vazio da escada em caracol, mandado estatelar-se no profundo abismo da laje térrea onde a mesma começa. O barulho do impacto e a fragmentação da unidade ecoaram ruidosamente por todas as prefeituras, qual bomba explodida. Acorre toda a comunidade e os maiorais constatam, pela análise dos espaços envolventes e pelas provas do crime que se tratava do vaso de estimação do sr Arcebispo.
Quem foi, quem seria? Grande mistério!...
O certo é que o vaso estava quebrado e, pela falta de acusação do pecador, teriam de pagar os justos. Um quarteirão de tostões a cada morador, foi a coima aplicada para repor um substituto do dito, que alegrasse D. Ernesto.
Como o evento tinha feito furor, era necessário publicá-lo no jornal da caserna: O LUME NOVO.
Assim, sorrateiramente, alguém colocou, por debaixo da porta do prefeito, para censura prévia - como então era exigido - o manuscrito que, por razões óbvias, não chegou, até hoje, a ver a luz do dia. É ele do seguinte teor, em estilo épico-camoniano:
 
Estavas, linda bilha, posta em sossego
Do teu barro colhendo doce fruito,
Naquele engano d’alma bêb’do e cego
Qu’a fortuna num espaço curto
Enferruja como um prego.
Oh! Formoso bojo nunca enxuito,
Vê lá se sabes ou s’adivinhas
Se é bom batatas com sardinhas.
Quis o diabo ou o demo, p’ra rir,
Na manhã calma e leda de quarta-feira
Que fosses sem pára-quedas cair
Por piada feia, truque ou brincadeira,
Onde nós começamos a subir
-Não sei onde vem a vez derradeira-
Espiando a nossa culpa original
Qu’a muitos tem posto o coração mal.
Foi lá nesse maldito caracol
Que a pobre bilha estoirou,
Onde ela pôs as tripas ao sol
Não sei qual o doutor que a operou.
Só sei que do barro mole
Nada, mesmo nada s’aproveitou.
Ó gentes, ouvi o novo bardo,
E vede se o caso está ou não pardo!
Toda a gente, c’o berro qu’ela deu
Se espantou. Houve até um sujeito
Que erguendo-se até ao céu,
- não sei se falto ao respeito! –
Pensando que era um estoiro qu’alguém deu,
Esteve em febre três dias no leito.
Ninguém diga que sou afrontoso
Qu’é julgar-se a si próprio criminoso.
Em estilo grandíloquo e corrente
Eu te conto, ó pá, ó pá camarada
Que uma gens ficou muito contente
Pedindo p’ra formar uma parada
P´ra ver qual tinha sido o delinquente
Ad pagandum pote que não valia nada
Porque a pele, que de parto era vermelha,
Estava preta, suja e muito velha.
Vede o que aconteceria à gente
Se, ao partir um pote d’água férrea,
Quebrava um vaso de água ardente.
Abrir-nos-iam a campa térrea
Outros morder-nos-iam a dente.
Toda a massa a procissão arreia.
Vede, mesmo que seja pequena a perda,
Partir uma bilha não é nenhuma merda.(Corrigido para ´maravilha`)
Assim Falou Zaratrusta
 
Fernando Neves
 

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