Confusões na montanha
Terei andado distraído ou falou-se mais daquele rabino que sugeriu aos seus fiéis que amputassem pernas às bonecas, lhes vazassem olhos e cortassem as orelhas do que daquele afegão que se converteu ao cristianismo.
Pios, céleres e escandalizados espíritos houve que quase fizeram a barba ao iconoclasta rabino que vislumbra laivos de idolatria em qualquer inocente brinquedo infantil. E muito bem, está claro. Danificar bonecas, inutilizar esses brinquedos, privar as pobres criancinhas duns momentos de sadia distracção é muito mais grave do que ter cedido à tentação de um qualquer bezerro de ouro.
Do pobre afegão pouco se disse. Trabalhando para um organismo estrangeiro, tendo contactado com gente cristã, foi caminhando para outras paragens, ultrapassou as limitações que, no seu país, são postas a quem ousa acreditar de maneira diferente e deu o passo adiante.
Pensar-se-ia que contava com o reconhecimento da mudança, a aceitação da diferença, porventura com a respeitosa surpresa de quem não estaria propriamente habituado a tais atitudes.
Puro engano. Em terras de Maomé (e não adianta dizerem que também noutros lados já assim foi...) é melhor não sair da montanha e deixar-se confundir com a floresta. E não gostar de presunto.
Acusado, submetido a julgamento, na iminência de ser condenado à morte, viu-se com a sorte de conservar a cabeça em cima dos ombros porque a justiça afegã descobriu que tal procedimento era próprio de quem não estava na posse plena das suas faculdades mentais. Exilado, veio para Itália.
Como tudo acabou bem...
Mas haveria de perguntar-se a certos liberais, globalistas, esclarecidos e progressistas por onde andou a sua atenção. Ou se tinham guardado o prudente silêncio caso tivesse acontecido o contrário.
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Abílio Duarte Simões
in: Correio de Coimbra, 6abril06