Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

SEMINTENDES

Lendo, vê Semintendes...

Lendo, vê Semintendes...

SEMINTENDES

31
Jan07

Contingência e abortamento

lamire

Contingência e abortamento

(Anselmo Borges) 

Uma vez, uma aluna levantou, num "trabalho ", esta pergunta: " Onde estão todos aqueles que poderiam ter sido e não são?" Talvez uma daquelas perguntas inúteis, aparentemente preguiçosas, mas que não deixam de obrigar a pensar.

Afinal , se A, em vez de ter casado com B, tivesse casado com C, não existiriam aqueles filhos que há, mas outros. O encontro de dois seres humanos em ordem à paternidade e maternidade está dependente de tantas variáveis que a possibilidade do aparecimento de um ser humano concreto (este homem ou esta mulher ) é tendencialmente nula. Porque a realidade desses dois seres humanos também não estava predeterminada: aconteceu, mas podia não ter acontecido. Mesmo no acto de geração de cada ser humano, há milhões de possibilidades e geralmente uma se concretiza: há um espermatozóide que corre mais...

É
quando pensamos nestes cruzamentos que de facto aconteceram, mas que pura e simplesmente podiam não se ter dado, que tomamos consciência da nossa radical contingência. Da nossa e da da História. Porque se A não tivesse existido, também B não teria podido existir. E, sem B, não existiria C nem D nem E. Faltando E, faltariam F, H, I, J. Estenda-se esta contingência até ao começo do aparecimento dos homens e das mulheres e às possibilidades de encontros e desencontros, multiplicadas indefinidamente , e ver-se-á como se é confrontado com a estupefacção de uma História que narramos como se estivesse pré-escrita algures, mas que poderia ser completamente outra, individual, colectiva e mundialmente.

Como seria o mundo sem Buda, sem Platão, sem Aristóteles, sem Euclides, sem Júlio César, sem Jesus, sem Maomé, sem Galileu, sem Lutero, sem Miguel Ângelo, sem Watt , sem Einstein, sem os matemáticos, os físicos, todos os cientistas e inventores e artistas e operários e políticos e generais, mas todos e cada um com nome próprio, mesmo os anónimos, que poderiam não ter existido?

Realmente, há a Filosofia, a Matemática, a Física, a Química, a Música, todos os saberes e artes, mas passando tudo por indivíduos concretos. A Matemática manifesta-se em matemáticos, como a Física em físicos, a Filosofia em filósofos, a Humanidade em homens e mulheres, os que houve, de facto, e não outros possíveis.

Toda esta consideração põe-nos em sobressalto frente à radical contingência que atinge cada homem e cada mulher . O enigma é este : cada ser humano existiu, existe ou existirá, mas de tal modo que a possibilidade de ter existido, de existir ou de vir a existir é tendencialmente zero. No passado , poderiam ter existido outros ; no presente, podiam existir outros; no futuro, exactamente a mesma coisa, tanto mais quanto o presente e o futuro dependem das possibilidades realizadas no passado, que foram umas e não outras.

A
contingência radical atinge, portanto, cada homem e cada mulher, mas , como escreveu o filósofo e teólogo R. Panikkar, precisamente assim: contingência deriva do latim cum tangere, com o sentido de que "tocamos (tangere) os nossos limites" e "o ilimitado toca-nos (cum tangere) tangencialmente". Cada ser humano existente é contingente, mas, existindo, é digno de respeito, pois tem dignidade inviolável . Essa dignidade assenta na presença nele do Infinito , que se manifesta essencialmente na liberdade e na autonomia moral.

A
gravidez é o sinal da visita possível de uma alteridade enigmática, que nenhum ser humano domina. O abortamento é um drama , pois é a possibilidade de um ser humano que é apagada do mundo. Segundo o filósofo E. Lévinas, é frente a essa alteridade misteriosa, porque irredutível, exigindo a nossa responsabilidade, que Deus vem à ideia: não demonstra a existência de Deus, mas mostra o sentido dessa palavra.

Nesta
magna questão, há níveis diferentes de debate, concretamente o jurídico-penal e o moral. Sem esquecer os aspectos biológicos, o problema moral e as suas raízes filosóficas e religiosas, o que se pergunta é se a mulher que aborta, num determinado quadro legal - se cumprida, a actual lei bastaria -, deve ser penalizada.

No
seu drama, em lugar de uma punição penal, do que ela precisa sobretudo é de solidariedade . Estão a sociedade e a lei dispostas a apoiar eficazmente a mulher e, concretamente, a grávida?

Este apoio tem de traduzir-se em educação, prevenção, aconselhamento, combate à pobreza e exclusão , co-responsabilização do homem, incentivos à família e à natalidade. Também para que despenalização se não confunda com liberalização nem se torne método contraceptivo.

DN, 28-1-06

 Anselmo Borges,

 Padre católico da Sociedade Missionária (Cucujães),  e professor de Filosofia, Universidade de Coimbra

31
Jan07

NEM MAIS, NEM MENOS

lamire
NEM MAIS, NEM MENOS
Frei Bento Domingues, O.P.
 

1. Eu incompetente me confesso para dizer aquilo que a sociedade civil – as famílias, as associações, as empresas, as escolas, as igrejas, os meios de comunicação social, os clubes, etc. –, assim como as diferentes expressões e poderes do Estado, deve fazer para criar um ambiente cultural, social, político e espiritual que estimule a alegria de ter filhos e de os educar com gosto.
Eu incompetente me confesso para informar como é que isto seria possível, embora saiba que, enquanto ter filhos for um pesadelo, não adianta pensar muito no aumento da natalidade. O sacrifício pelo sacrifício é uma doença. Só o sacrifício que é fruto do amor possível é fonte de coragem. Mas é um exagero pedir às pessoas que desejam filhos viverem em permanente estado de heroicidade. Não adianta queixar-se da cultura hedonista pela falta de generosidade. Quando as empresas e as organizações, através de sofisticada publicidade, incitam aos prazeres mais imediatos e indeferíveis – casas de sonho, carros de sonho, férias de sonho –, teremos uma minoria regalada e a maioria acumulando desejos e decepções e adiando sempre, por estas e por outras razões, a altura para ter descendentes.
Mas também incompetente me confesso para desenhar ou sugerir um modelo capaz de configurar uma outra sociedade viável.
2. Eu incompetente me confesso para sustentar que a hierarquia da Igreja fez bem ao entregar, apenas, às leis da natureza a regulação da natalidade: "A continência periódica, os métodos de regulação dos nascimentos baseados na auto-observação e no recurso aos períodos infecundos são conformes aos critérios objectivos da moralidade. Estes métodos respeitam o corpo dos esposos, estimulam a ternura entre eles e favorecem a educação de uma liberdade autêntica. Em contrapartida, é intrinsecamente má qualquer acção que, quer em previsão do acto conjugal, quer durante a sua realização, quer no desenrolar das suas consequências naturais, se proponha, como fim ou como meio, tornar impossível a procriação" (1).
João Paulo II repetiu até à saciedade esta herança: "As duas dimensões da união conjugal, a unitiva e a procriadora, não podem ser separadas artificialmente sem atentar contra a verdade íntima do próprio acto conjugal. (...) A Igreja ensina a verdade moral acerca da paternidade e da maternidade responsável, defendendo-a das visões e tendências erróneas, hoje, difusas." Está muito consciente de que o Episcopado em união com o Papa é acusado de ser insensível à gravidade dos problemas actuais, de perder popularidade e ver os fiéis a afastarem-se cada vez mais da Igreja (2).
Desde 1968, sobretudo por causa desta atitude perante os métodos contraceptivos, ouvimos com frequência um certo tipo de expressões: "sou católico, mas não sou praticante"; "deixei de ser católico ou não posso continuar a dizer-me católico, embora adira aos seus valores"; "Cristo sim, Igreja não". Mas também há muitos que se guiam pela sua própria consciência, que resistem, digam ou não, "nós também somos Igreja".
3. João Paulo II, na encíclica Evangelho da Vida (n.° 73), é peremptório: "O aborto e a eutanásia são crimes que nenhuma lei humana pode pretender legitimar. (...) Portanto, no caso de uma lei intrinsecamente injusta, como aquela que admite o aborto e a eutanásia, nunca é licito conformar-se com ela."
Parece-me que um Papa que estivesse de acordo com o aborto ou com a eutanásia devia pedir a sua demissão. No entanto, eu incompetente me confesso para, sob o ponto de vista jurídico, julgar se o Estado tem ou não direito a fazer leis que permitem o aborto.
É saudável, é normal que a lei de um Estado laico não tenha que estabelecer o que é bem e o que é mal sob o ponto de vista religioso. Não desejaria ver os Estados europeus a adoptarem regimes equivalentes aos da Arábia Saudita ou do Irão: o Estado e a sociedade regidos pela lei ou pela ética religiosas. É por isso que talvez não seja um absurdo perguntar aos cidadãos, como agora, em Portugal, no referendo, se se deve responder "sim" ou "não" à despenalização da interrupção da gravidez, em estabelecimento de saúde, nas primeiras dez semanas, realizado a pedido da mulher. Não se trata de saber quem é e quem não é pelo aborto, neste prazo e nestas condições, mas quem é ou não pela penalização da mulher que aborta neste prazo e nestas condições.
E inevitável a pergunta: dentro das dez semanas, já existe vida humana, ser humano ou pessoa humana? Sobre o que é a vida, sobre o que é vida humana, sobre o que é pessoa, as linguagens do senso comum, das ciências, das filosofias e das religiões não são coincidentes. E, no interior de cada um desses ramos do conhecimento, o debate não está encerrado. Para o padre Anselmo Borges, professor de Filosofia na Universidade de Coimbra, "a gestação é um processo contínuo até ao nascimento. Há, no entanto, alguns "marcos" que não devem ser ignorados. (...) Antes da décima semana, não é claro que o processo de constituição de um novo ser humano esteja concluído. De qualquer modo, não se pode chamar homicídio, sem mais, à interrupção da gravidez levada a cabo nesse período" (3). A embriologia expressa no boneco chinês é uma pura fraude e uma obscenidade.
Parece-me exorbitante ameaçar os católicos que votem "sim" com a excomunhão. Comparar o aborto ao terrorismo é fazer das mulheres aliadas da Al-Qaeda. A retórica deve ter limites.
Creio que é compatível o voto na despenalização e ser – por pensamentos, palavras e obras – pela cultura da vida em todas as circunstâncias e contra o aborto. O "sim" à despenalização da interrupção voluntária da gravidez, dentro das dez semanas, é contra o sofrimento das mulheres redobrado com a sua criminalização. Não pode ser confundido com a apologia da cultura da morte, da cultura do aborto, embora haja sempre doidos e doidas para tudo.
Eu, agora, competente me confesso para afirmar: quando, em Portugal, o aborto for obrigatório, abandono o país. Nem mais, nem menos.

(1) Catecismo da Igreja Católica, n.° 2370, citando a Humanae vitae, 14: AAS 60 (1968), 490.
(2) Carta às Famílias, n.° 12.
(3) DN, 21/01/2007. Sobre esta questão, cf. Miguel Oliveira da Silva, Ciência, Religião e Bioética no início da vida, Lisboa, Caminho, 2006,
pp. 53-85.
Público 28.1.07

23
Jan07

11 árbitros com processos disciplinares

lamire

"APITO DOURADO"

----------------

O Conselho de Disciplina (CD) da Federação Portu­guesa de Futebol (FPF), presidido por Arnaldo Marques da Silva, decidiu instaurar processos disciplinares a 11 árbitros e assistentes devido a indícios de corrupção no âmbito do caso "Apito Dourado".

O 24horas apurou que esta decisão teve por base factos a que o CD da FPF teve acesso e que estes 11 profissionais do futebol já andam a ser investigados ainda antes da polémica de o caso "Apito Dourado" chegar à opinião pública.

"O processo ainda está em investigação e em fase de inquérito", explica João Leal, o assessor jurídico do CD da FPF. E acrescenta: "Só daqui a um mês é que existe uma conclusão sobre a instauração dos processos disciplinares. Todos são alvo de processo disciplinar, uns podem ser culpados e outros não."

Os processos de averiguação, que dizem todos respeito à época 2003/04, referem-se aos árbitros e assistentes Manuel Mendes, Fausto Marques, Jorge Marques, Pedro Sanhudo, Hugo Silva, João Macedo, Ricardo Pinto, Licínio Santos, José Rodrigues (todos ligados à FPF) e também os árbitros da 1 .a Liga Rui Silva e Cosme Machado.

Contactado pelo 24horas, Rui Silva disse não saber do que trata este processo. "Não sei o que se passa, por isso não posso comentar. Só posso dizer uma coisa: estou tranquilo", afirmou.

Já Cosme Machado garantiu desconhecer que está a ser alvo de investigação. "Não tenho conhecimento de nada, soube agora pelo 24horas que me ia ser instaurado um processo disciplinar. Não vou fazer comentários sobre um assunto e factos que desconheço", disse Cosme Machado.

"A decisão final sobre estes inquéritos pode demorar entre um e três anos a estar concluída", garante João Leal. Pois varia consoante os documentos e factos a analisar pelo Conselho Disciplinar da FPF.

ÂNGELA LOPES

In: 24 Horas, 23jan07, pág12

06
Jan07

O CÓNEGO POVOA DOS REIS

lamire

Foi o Cónego Póvoa dos Reis um dos que marcou muito positivamente a maioria – se não a totalidade - dos alunos que frequentou o Seminário de Coimbra. Na sua humildade, embora detentor da dignidade de cónego e de uma ilustre carreira científica, preferia que os seus rapazes o tratassem por padre Póvoa.
 Nascido em Eirol, em 20 de Outubro de 1907 – aproxima-se o centenário do seu nascimento! - trabalhou com a família, no campo, onde ganhou gosto pela natureza vegetal e aprendeu a conhecer as mais diferentes ervas que encontrava.
 Segundo se encontra escrito, teve um percurso vocacional tardio, pois só entrou no Seminário de Coimbra no ano lectivo de 1930/31, com 23 anos, depois de muitas dúvidas e crises de Fé. Foi ordenado presbítero em 1936 e nomeado cónego em 1957.
 Foi um douto homem, autodidacta em Ciências Naturais, distinguindo-se na Botânica pela descoberta e classificação de várias espécies de plantas. Por isso, em 1943, foi nomeado membro da Sociedade Broteriana e, em 1956, assistente extraordinário da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra. Pelo seu elevado mérito científico, em 1979, é nomeado membro da Academia de Ciências de Nova Iorque.
 Nos espaços do Seminário ou a caminho do Instituto Botânico, para as suas aulas universitárias, era vê-lo atarefado de um lado para outro, no vaivém da sua pesquisa ou trabalho científico, encafuado na sua batina preta que protegia dos percalços dos trabalhos com uma bata de zuarte.
 Era seu bordão para os espigadotes seminaristas respingões, entrados nas abstractas deduções filosóficas, o seu marcante “ Ó rapaz, ó rapaz!... Pés na terra, pés na terra!”
 Esta sua máxima vai tentar pô-la em prática mediante a criação do IDESO (Instituto D. Ernesto Sena de Oliveira, então, Arcebispo de Coimbra) procurando contribuir, assim, para formação humana e cristã dos seus seminaristas e universitários que com ele se cruzavam no dia-a- dia e cujos problemas ele bem conhecia, pois estava-se na inovadoramente contestária década de sessenta.
 Ele tinha sido essa lufada de ar fresco do Concílio, sacudindo as poeiras acumuladas durante séculos nas janelas do Vaticano - e que agora teimam em regressar – abrindo a Igreja ao mundo e ao reconhecimento da dignidade de toda e cada pessoa humana; ele era a contestação dos velhos métodos de ensino nas Universidades; era a Guerra Colonial, com todos os problemas humanos, psicológicos e morais que acarretava; era o início da era da globalização, etc..
 Pois, Póvoa dos Reis vai dispor de parte do seu património familiar, em Eirol, para aí se construir uma casa de acolhimento a estudantes, sem olhar a crenças, sexos e nacionalidades. Seria o que quase se podia chamar um centro ecuménico em acção ou algo de parecido com a Comunidade de Taizé, então não tanto na berra como hoje.
 A juventude que voluntariamente lá ia passar as suas férias começou por ter o trabalho de iniciar a construção da obra, fazendo os serviços de trolha e pedreiro, durante algumas horas do dia, confeccionando a sua comida, e dispondo de tempos de encontro e reflexão sobre os problemas que se abatiam sobre o mundo e a juventude.
 Muitos dos que por lá passaram recordarão desses tempos as melhores impressões.
 A este bom homem ficaram, ainda, a dever o Seminário e os seus alunos a partir dos anos 40 do século passado o incremento do gosto científico baseado em métodos de experimentação e análise.
 Por sua iniciativa e trabalho, foram criados, no corredor de acesso ao refeitório do Seminário, a ´Sala dos Bichos` - espécie de pequeno Museu Zoológico e Mineral -, o Laboratório de Química e o Laboratório de Física.
 Não sendo eu pessoalmente dotado para estes ramos do saber, recordo o esforço que tinha de fazer, olhando pela objectiva do microscópio, para descortinar o que quer que fosse, embora com o máximo de ampliação que o instrumento permitia. Enfim, a classificação de nabo não ficaria nada mal. Mas não era só a mim; outros sentiam as mesmas dificuldades, mas por culpa nossa, que não do professor.
 No exame das referidas disciplinas, as voltas que se tinham de dar ao ´catrapázio` que nos fornecia para, a partir dos elementos observados e seguindo percursos remissivos, se chegar à classificação da planta ou do calhau que nos coubera em sorte. Se não fosse tantas vezes o circulante espírito-santo-de-orelha de alguém mais entendido no assunto que nos dizia o nome da planta ou pedra que tínhamos à nossa frente, o caso ficava pardo. Recordo-me que a mim alguém me bichanou o nome de arroz-dos-telhados. E então sim, foi possível fazer o percurso pretendido, mas ao invés, o que era muito mais fácil. E lá me consegui ´safar`, embora o professor, por norma, avaliasse os alunos mais pelo esforço dispendido do que pelos resultados obtidos.
 Dos laboratórios contam-se duas histórias engraçadas, uma veridíca e outra, ´si non vera est fama`, por lá andará perto.
 A primeira passou-se no Laboratório de Química, onde o apaixonado pelas ciências e seguidor das pegadas do Pe Póvoa, João Simão, que depois veio a ser Professor Catedrático, procedeu na presença dos alunos à experiência da electrólise da água, recolhendo o oxigénio e o hidrogénio dela resultante, nos respectivos balões. Ora, quando quis comprovar os resultados obtidos, esquecendo não sei que pormenor, chegou o fogo ao balão do hidrogénio que explodiu quase uma bomba, atordoando todo o Seminário que, pressuroso, acorreu ao local. Felizmente, foi mais a fumarada, o barulho, o susto e a inolvidável história resultante do que as consequências de danos corporais. Mas ficou bem provado que a água é H2 O, lição que os alunos nunca mais esqueceram.
 A segunda consta ter-se passado quando o Pe Póvoa procedia à montagem de uma máquina demonstradora do processo de produção de electricidade. Era composta esta máquina por um grande círculo de vidro que, ao rodar, provocava por fricção no indutor e induzido um campo electromagnético, formando-se assim corrente electrostática.
 Andava o Pe Póvoa entretido na montagem do aparelho, aproveitando para isso todos os momentos disponíveis, incluindo alguns minutos antes do almoço que ele e os padres tomavam no refeitório mesmo ao lado do Laboratório de Física. E todos os dias antes desta hora lá lhe aparecia uma curiosa visita que se tornou habitual. Era o nosso sábio homem, de tronco bem erecto e barriga um tanto saliente, olhos buliçosos e pesquisadores por detrás das lentes dos seus grandes óculos brilhantemente acastanhados:
 - Vamozz! Então, Póvoa, quando é que dász à luzz? – E por ali ficava encantado com o cristal da máquina.
 Tantas vezes a cena se repetiu que o Pe Póvoa – que até nem era assim muito para essa coisas! – teve ocasião de pensar a sua maroteira, que Deus já lhe terá perdoado.
 Acabada a montagem da máquina, esperava ele a habitual visita, com a ritual pergunta:
 - Vamozz! Então, Póvoa, já deszte à luzz?
 - Está quase, está quase! Mas agora, para terminar, precisava de alguém que me ajudasse – respondeu com um sorriso maroto no canto do olho. - Olha, Brito, pedia-te o favor de segurares estes fios, um em cada mão, aqui pela extremidade. Aperta bem! Aperta bem!
 O Pe Póvoa accionou com toda a força a manivela da roda e o Brito saltou, desarvorando por ali fora, sacudindo as mãos, num griteiro:
 - Chiça, Póvoa, chiça!...
 E assim ficou comprovado que a máquina funcionava.

....

Fernando Neves

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2009
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2008
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2007
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2006
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2005
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D